Notícias

A importância do Estudo do Componente Indígena para o licenciamento ambiental

Ciente de que o Estudo do Componente Indígena (ECI) se caracteriza como o instrumento que pode garantir os direitos de seu povo e demais povos indígenas, apontando os impactos inevitáveis causados com a pavimentação do Trecho do Meio (km 250 ao km 655,70) da BR-319, Raimundo Parintintin, coordenador da Organização do Povo Indígena Parintintin do Amazonas (OPIPAM), acompanha e participa ativamente do processo de elaboração e aprovação do documento. Atualmente, ele aguarda a manifestação técnica da Funai para então mobilizar os Parintintin para a consulta presencial, na Terra Indígena Nove de Janeiro, em Humaitá.

Publicado em: 27/05/2021

Crédito: Divulgação / OPIPAM

“Se o conteúdo do estudo está certo ou não; se estamos de acordo ou não, vamos decidir em uma reunião final com a Funai, demais órgãos públicos e consultores que construíram o documento. Vamos ler passo a passo o estudo, em uma oficina grande, que reunirá todos os Parintintin em nossa terra e aí é que vamos aprovar, ou não, esse estudo”, garantiu. 

Raimundo representa a Terra Indígena Nove de Janeiro, que completa a lista das cinco terras indígenas e três grupos étnicos contemplados no ECI do Trecho do Meio da BR-319. As outras são: etnia Mura, das TIs Lago Capanã e Ariramba; e a etnia Apurinã, das TIs Apurinã, do Igarapé São João e do Igarapé Tauamirim. 

A escolha desses territórios seguiu exclusivamente a determinação da Portaria Interministerial 060/2015, considerou para efeito de estudos somente as TIs que se encontram no perímetro de até 40 km do eixo da rodovia. Para o antropólogo e indigenista Bruno Caporrino, limitar os impactos a apenas 40 km do empreendimento é problemático. “As conectividades ecossistêmicas transcendem essa distância estipulada: os transmissores de doenças como malária, leishmaniose, por exemplo, não têm como respeitar essas imposições, assim como animais silvestres e suas relações ecossistêmicas”, garantiu, alertando para um segundo entrave que são as dinâmicas territoriais de parentescos: “indígenas de diferentes etnias se relacionam entre si e inclusive se relacionarão com povos indígenas em isolamento voluntário, que não conhecem esse perímetro e seguem dinâmicas territoriais próprias e certamente serão vulnerabilizados. Esses relacionamentos não são apenas entre essas três etnias elencadas para o ECI, mas entre diversos grupos e parentelas”, afirmou. 

“Os povos indígenas em isolamento voluntário não conhecerão esse perímetro, que é o mínimo imposto legalmente, e não o máximo e vão cruzar esse limite e sofrer os impactos. Todas as vidas que compõem os ecossistemas integrados dos quais dependem os seres que representam alimentos para os indígenas transcendem esse limite, assim como pistolagem, grilagem, violência, inclusive sexual e práticas etnocidas, que visam destruir os regimes de conhecimentos e relações dos povos tradicionais”, lamentou Bruno. Ele recordou ainda que o descontrole das frentes de expansão atraídas pelo empreendimento poderá representar o genocídio de sociedades de grupos em isolamento voluntário inteiras, “o que deixará uma marca indelével na história do Brasil”.

Crédito: Divulgação / OPIPAM

Marcela Menezes, assessora do Programa Povos Indígenas, do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), concorda que a aplicação dos 40km previstos na Portaria não dá conta das complexidades da região, nem contempla todas as comunidades que são impactadas. A mesma portaria também prevê a possibilidade de revisão desses limites estabelecidos, entretanto teria que ter aprovação do empreendedor”. “É um fator limitante para a identificação dos impactos do empreendimento”, assegurou.

Uma outra preocupação de Marcela está relacionada à possibilidade das consultas exigidas para a emissão da licença ambiental serem virtuais. “Esse não é um instrumento adequado para dialogar com aquelas comunidades. Não é um procedimento de consulta específico aos povos indígenas e muito menos porque as comunidades não têm acesso à internet”, ressaltou Marcela.

Já Raimundo Parintintin acredita que consultas ou audiências públicas virtuais se apresentam como manobras por parte do governo “para tentar atropelar os processos, tentar acelerar, deixar as comunidades desinformadas”, mas não se intimida e complementa: “só que nós, Parintintin, já somos cientes e bem entendidos. Nós estamos construindo o nosso processo de licenciamento de acordo com a legislação. Se eles não quiserem nos ouvir, nós temos o direito de recorrer, mas por enquanto, nós temos que estar construindo isso em conjunto. O fato dos nossos estudos terem sido aceitos pelo Ibama, não quer dizer que eles estão aprovados. Depois da aprovação da Funai haverá a parte final com a gente, na comunidade”, finalizou.

Critérios e parâmetros mínimos

Para que o empreendimento não afete direitos humanos e o meio ambiente, o antropólogo e indigenista Bruno Caporrino sugere que o Estado estabeleça critérios e parâmetros mínimos:

  • O ECI e o EIA/RIMA devem ser entregues com antecedência máxima às organizações representativas legítimas dos povos indígenas;
  • Juntamente com o ECI e o EIA/RIMA deveriam ser entregues materiais didáticos claros e transparentes que preparassem as comunidades para conseguir ler e entender esses documentos;
  • Protocolar o ECI, somente, não basta para assegurar que todos os direitos desses povos sejam respeitados. Assim, é fundamental que o Estado e o empreendedor forneçam condições materiais e logísticas para que esses povos reúnam-se e possam ler, compreender e debater esses documentos antes das audiências públicas.
  • Por fim, fornecer condições para que a participação deles nas audiências seja adequada, sem pressões, ameaças, e que possam debater com o Estado sobre uma pauta e agenda por eles também determinada, e não apenas passivamente recebida, é absolutamente fundamental.

Estudo do componente indígena

  • Estudo do Componente Indígena – Apurinã
  • Estudo do Componente Indígena – Mura
  • Estudo do Componente Indígena – Parintintin

Edição 13 – Outubro 2020 – Destaques

Gostou? Compartilhe!

Veja também