Aumento de desmatamento em Terras Indígenas preocupa lideranças
Publicado em: 27/05/2021
Desde criança, uma das diversões de Nilcélio Jiahui era acompanhar seu pai na abertura do roçado, na aldeia Ju’í, a 103 km do município de Humaitá, Amazonas. Juntos, caminhavam mata adentro e, no local previamente demarcado, logo começavam a fazer o aceiro. As árvores de madeiras nobres ou úteis para a construção de casas, artefatos ou canoas já haviam sido removidas. As restantes seriam queimadas. Não demorou para que o curumim entendesse que seu povo trazia, tradicionalmente, a derrubada da mata e a queima controlada para limpar o terreno como seus aliados: da roça viria parte do sustento da família.
O menino cresceu e, com ele, as pressões externas ao território. O desmatamento e as queimadas descontroladas da floresta passaram a representar ameaças não apenas para os habitantes de sua aldeia, mas para muitas outras Terras Indígenas (TIs) da Amazônia e do Brasil.
Atualmente, como um dos membros da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB, o líder não esconde sua preocupação com o aumento do desmatamento nas Terras Indígenas e unidades de conservação da Amazônia Legal e, particularmente, da área de influência da rodovia BR-319, conforme demonstram os monitoramentos do Observatório da BR-319.
Das 69 TIs monitoradas mensalmente pelo Observatório, 26 (38%) apresentaram desmatamento em julho de 2020, algumas delas sem históricos anteriores de derrubadas. Também foi verificado um grande aumento de desmatamento quando comparamos com dados do mês anterior. A TI Apurinã, km 124 da BR-317, por exemplo, não teve áreas desmatadas em junho e apresentou 27 hectares desmatados em julho de 2020. Ela está entre as três TIs que lideram o ranking de desmatamento de julho, ficando atrás apenas da TI Karipuna, com 48 ha desmatados e a TI Deni, que teve 81 ha de sua área desmatados.
“Desde março de 2020, quando começou a pandemia, o desmatamento aqui na região vem aumentando por conta das invasões das Terras Indígenas”, confirmou Nilcélio. O agravamento da situação, ressaltou, se dá pela falta de fiscalização. “Nós ficamos à mercê dos invasores. Estamos totalmente abandonados pelos órgãos de gestão. Não há fiscalização”.
Após a derrubada e a extração das madeiras nobres, vem o fogo, outra ameaça às Terras Indígenas. “Estamos sofrendo muito com essa questão dos fogos ateados em nossas terras por criminosos”. O prejuízo vai além da perda da madeira. “As queimadas destroem a fauna e flora, vitais para a nossa subsistência, e trazem as doenças, como: gripe, pneumonia, malária. Tudo isso atrelado à pandemia do Covid-19. Está difícil”, desabafou o líder indígena.
Proposta de Moratória ao Desmatamento na Amazônia
Na Amazônia, os desmatamentos antecedem as grandes queimadas e por isso é preciso combatê-los. Em 2020, conforme aponta o Observatório do Clima, o desmatamento na região amazônica já é o maior desde o início da série de alertas do sistema de monitoramento por satélite Deter B, do Inpe, e pode vir a ser o maior desde 2006.
O estabelecimento de uma moratória de pelo menos cinco anos ao corte da floresta foi uma das medidas apresentadas na carta entregue no dia 6 de agosto de 2020 aos presidentes da Câmara e do Senado, a investidores estrangeiros e a parlamentares brasileiros e europeus, assinada por mais de 60 organizações e coletivos da sociedade civil.
Além da moratória ao desmate, o documento traz outras quatro medidas emergenciais para a contenção da crise do desmatamento na Amazônia que incluem o endurecimento das penas aos crimes ambientais, inclusive o bloqueio de bens dos cem maiores desmatadores da Amazônia; a retomada imediata do PPCDAm; a demarcação de Terras Indígenas, a titulação de territórios quilombolas e criação de 10 milhões de hectares em unidades de conservação; e a reestruturação do Ibama, do ICMBio e da Funai.
A moratória ao desmatamento comporta exceções: atividades de subsistência de populações tradicionais, agricultura familiar e planos de manejo sustentável de madeira, por exemplo, ainda seriam admitidos.
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Baixe o aplicativo para denúncias
O governo brasileiro criou a plataforma Guardiões da Amazônia para denúncias de ilícitos ambientais. Disponível para o sistema Android, o aplicativo possibilita ao usuário o cadastramento ou a opção pelo anonimato.
O que é e como fazer um aceiro? Técnica de controle e combate aos incêndios florestais.
Edição 11 – Agosto 2020 – Destaques