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A Amazônia dividida entres esperanças, incertezas e a falta de informações

Publicado em: 27/05/2021

Crédito: O Globo

Até o dia 27 de janeiro, quando fechamos essa edição do informativo, o Amazonas já havia ultrapassado a marca de 250 mil pessoas infectadas pela COVID-19. Com uma nova onda da doença no estado, a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM) chegou a registrar mais de 3 mil casos em apenas um dia. 

Como se não bastasse, Manaus – a maior capital da Amazônia e dona de um dos polos industriais mais importantes do país – viu seu estoque de oxigênio se esgotar. Dezenas de pessoas (se não centenas) morreram, e continuam morrendo, com a falta de cilindros de oxigênio nos hospitais. Não demorou para que essa situação também chegasse ao interior. Hoje, o Amazonas passa por uma das maiores crises de saúde de sua história. 

Os municípios da área de influência da BR-319 não estão alheios a esse cenário. Entre 15 de dezembro de 2020 e 15 de janeiro de 2021, foram registradas mortes em 11 dos 13 municípios dessa região. Apenas Careiro da Várzea e Manicoré não registraram nenhuma fatalidade.

Sem considerar Manaus (AM) e Porto Velho (RO), Humaitá é o município da trajetória da BR-319 com o maior número de casos (5.708 registrados até o fechamento desta edição), seguido por Lábrea (4.501), Careiro (3.306) e Manicoré (2.252). Isso mostra uma maior incidência nos municípios mais próximos aos grandes centros urbanos (capitais).

“O avanço do Covid-19 em direção às cidades menores revela uma situação preocupante em razão da menor disponibilidade e capacidade de seus serviços de saúde. Isso direciona a busca pelo atendimento médico aos centros urbanos”, comenta Diego Xavier, epidemiologista do Icict/Fiocruz. 

A projeção de Xavier é sentida no dia a dia por Silvia Helena Batista, integrante do CNS em Manicoré (AM). “Estamos vivendo um inferno aqui no município”, desabafa, contando que no dia anterior à entrevista, cinco pessoas haviam morrido. Para ela, é um descuido com a saúde que sai caro. “As pessoas acham que não têm chances de pegar, não usam as máscaras e os equipamentos de proteção que nós entregamos nas comunidades”, lamenta.

A falta de informação também leva as pessoas a atitudes que as colocam em risco de contrair a doença. “Muitos idosos acabam saindo de suas casas ou comunidades e vindo para as sedes municipais com medo de perder a prova de vida, e com isso, ficar sem a aposentadoria”, explica. 

Com a chegada da vacina e dentre os percalços que vieram associados (leia o box na página seguinte), Dione Torquato, secretário geral do CNS no Amazonas, viu as populações tradicionais extrativistas serem classificadas somente para a fase 4 do plano estadual de imunização (veja quadro-resumo na página seguinte). Segundo Torquato, essas comunidades estão vulneráveis, principalmente as mais próximas dos centros urbanos, como é o caso da RDS do Rio Negro, que viu uma comunidade inteira ser infectada durante a primeira onda de COVID, em 2020.

Crédito: Bruno Kelli/Amazonia Real

“Precisamos da atenção máxima do governo para a vacinação das populações [tradicionais] extrativistas, principalmente nas unidades de conservação”, provoca Torquato. 

Outra incerteza que tem afetado, de maneira negativa, as comunidades do Amazonas, são as ‘fake news’ sobre a vacina, que povoam os grupos de Whatsapp. Mensagens compartilhadas entre indígenas vão desde que a vacina é ineficaz até sugerir que a população indígena está sendo usada como cobaia, ou ainda que serão transformados em vampiros se tomarem a vacina. A Articulação dos povos indígenas do Brasil (APIB), junto a outros coletivos indígenas – dentre eles, a COIAB – lançou a campanha ‘Vacina Parente’, na tentativa urgente de derrubar esses mitos e aumentar o número de indígenas imunizados. 

“Ainda tem muita gente morrendo, a pandemia não acabou. A nossa esperança para conter de vez essa doença é a vacina. Não tenham medo, parentes. Não se deixem enganar por mentiras e fake news. Vacinar é resistir, é proteger você mesmo e as pessoas que você ama” apela a líder Sônia Guajajara, em seu perfil no Instagram.

De quem, afinal, é a culpa? 

Em meio a desencontros de informações e fake news, um ponto se destacou entre os demais. Políticos locais começaram um movimento com objetivo de culpar organizações ambientais – e o processo de repavimentação da BR-319 – pela falta de oxigênio em Manaus. 

O discurso, surgido a partir de uma coletiva do prefeito de Manaus, David Almeida, no dia 14 de janeiro, em meio à crise já instalada, foi logo reforçado pelo senador Plínio Valério nas redes sociais. Sem se aprofundar no tema, ambos usaram frases de efeito e discursos sem qualquer aprofundamento técnico. 

Em entrevista à Revista Cenarium, o ambientalista Carlos Durigan, da WCS Brasil, classificou as acusações como ‘desinformação’ por parte dos poderes públicos. “A fala do prefeito me parece ser uma maneira de desviar a atenção do real problema que estamos vivendo em Manaus”, disse. 

“Os hospitais de Manaus colapsaram dia 14. O governo foi avisado pela White Martins dia 7. A viagem de balsa de Porto Velho a Manaus leva três dias. Mas a culpa do colapso é dos ambientalistas, diz o governo”, ironizou o Observatório do Clima, em uma rede social.

Leia a Nota de Posicionamento do Observatório BR-319.

Vacinas para quem? Quando? 

Com a pressão cada vez maior e os números de COVID-19 voltando a crescer em todo o país, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou, no dia 17 de janeiro, o uso emergencial das vacinas CoronaVac e AstraZeneca. Em seguida, o governo federal recebeu o primeiro lote do Instituto Butantan, que logo foi distribuído entre os estados. 

A felicidade e as comemorações pela chegada do primeiro lote de vacinas no Amazonas, no dia 18 de janeiro, duraram pouco. Logo no dia 19 começaram a surgir notícias e publicações nas redes sociais denunciando o desvio das vacinas e favorecimento de pessoas de fora dos grupos prioritários. As vacinas, que deveriam estar sendo direcionadas a profissionais de saúde na linha de frente da pandemia e indígenas, estavam sendo aplicadas em filhas de empresários, funcionários dos gabinetes de políticos e pessoas que não são prioridade, dado o reduzido número de doses ainda disponíveis. 

Mais uma vez, a falta de preparo e planejamento dos governos – com uma pandemia que assola o mundo há quase um ano – causa estragos muitas vezes irreversíveis à população. O cenário é de incertezas de quando virá, de fato, a nossa vez. E provavelmente quando o leitor ler esse texto, as coisas podem já estar diferentes. 

Após a escalada no número de alertas sobre o mau uso das vacinas, o Ministério Público lançou uma campanha nacional para recebimento de denúncias no desvio do imunizante. “Se você presenciou ou recebeu informações sobre desvio de vacinas contra COVID-19, você pode denunciar ao Ministério Público por meio de diversos canais virtuais de atendimento”, instrui a entidade em uma publicação nas redes sociais.

Crédito: Sandro Pereira / Amazonia Real

Edição 15 – Janeiro 2021 – Destaques

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