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Informações não faltam para evitar prejuízos irreversíveis

Publicado em: 27/05/2021

Crédito: Divulgação / Idesam

A cada dia, fica mais evidente a importância do saber científico para auxiliar a sociedade nas tomadas de decisões, tanto em áreas profissionais e sociais quanto na definição de políticas públicas. No caso do licenciamento da BR-319, por se tratar de um empreendimento que envolve diferentes interesses de variados grupos, os estudos podem contribuir para esclarecer, direcionar, prever e até evitar graves problemas, criando bases positivas para redução de conflitos.

Por toda complexidade que envolve o caso da BR-319 e diante da importância do tema, a rodovia tem sido objeto de estudos em diversos níveis. No dia 18 de novembro de 2020, os pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Britaldo Soares Filho, Juliana Leroy e Raoni Rajão lançaram a nota técnica ‘Pavimentação da BR-319, a Rodovia do Desmatamento’, que integra resultados de estudos publicados em periódicos científicos de grande relevância. 

Conforme a publicação, a pavimentação da BR-319 aumentará em quatro vezes o desmatamento na Amazônia nos próximos 30 anos, o que pode trazer grandes consequências negativas ao meio ambiente, à economia brasileira, aos territórios e modos de vida dos povos indígenas e comunidades tradicionais e para a sociedade em geral. “40 unidades de conservação, seis milhões de hectares de terras públicas e 50 Terras Indígenas estariam ame ameaçadas pelo empreendimento, que abrirá as veias dessa maciça porção de floresta a grileiros”, alertaram os cientistas na nota. 

Para o professor Raoni Rajão, um dos autores deste estudo, a BR- 319 está longe de ser um modelo de implementação de rodovias na Amazônia brasileira. Segundo Rajão, ainda existem desafios relacionados à gestão dos territórios de florestas no entorno das rodovias já pavimentadas na região amazônica e tudo indica que é muito provável que a repavimentação da BR-319 resulte nos mesmos problemas já conhecidos ou ainda maiores. “Tentativas de se implementar outras ‘estradas parques’, com unidades de conservação atuando para mitigar os efeitos negativos, falharam. O melhor exemplo é a BR-163, entre Cuiabá e Santarém”, afirmou Rajão. 

Considerando que grande parte da população entre Humaitá e Manaus vive nas margens dos rios Madeira e Purus, como aponta o Censo Rural 2017, Rajão alertou que medidas como investimentos em saúde, educação e transporte público fluvial nesses rios trariam muito mais benefícios do que a reconstrução da BR-319. “É urgente haver políticas públicas que possam ajudar a população da região”, ressaltou o pesquisador. 

E é justamente para a área além da BR-319, que as pesquisas e estudos do pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Philip Martin Fearnside, e de sua equipe, se debruçam. Ele elogiou a consistência do trabalho realizado pela equipe da UFMG, mas alertou sobre a importância das modelagens considerarem também impactos gerados ao longo de outras estradas planejadas a partir do traçado iniciada BR-319, como por exemplo, a AM-366, que cruzaria o rio Purus, em Tapauá, e ligaria a BR-319 a Tefé, Coari e Juruá, no Amazonas. “A proposta da rodovia AM-366 e estradas associadas dariam acesso ao enorme bloco de floresta na região Trans-Purus a partir da rodovia BR-319, gerando impactos irreversíveis para a região”, disse Fearnside. 

Nessa mesma linha de entendimento segue o doutorando em Ciência do Sistema Terrestre pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Marcelo Augusto dos Santos Júnior. Ele argumenta que uma vez a BR-319 pavimentada, haverá pressão dos municípios para a construção das estradas já traçadas na área de influência da rodovia, que deve se intensificar ao longo do tempo. “A AM-366 vai cortar uma área de floresta onde não existe qualquer área protegida, que é muito vulnerável ao desmatamento. Os impactos disso são incalculáveis, mas certamente os moradores da região serão os mais castigados. Não há extrativismo sem floresta”, lamentou Marcelo.

O pesquisador defende que a implementação da BR-319 deve cumprir as salvaguardas ambientais; instalados postos de fiscalização; houvesse garantia de que os órgãos públicos conseguiriam trabalhar com segurança; que os pesquisadores conseguissem acessar, também com segurança, as áreas para pesquisas; que não houvesse invasão das áreas protegidas; houvesse contenção do desmatamento e incentivo a estudos para resolver de fato as questões territoriais; que fossem cumpridas as garantias para se manter os meios de vida e modos da população tradicional que lá está. “Se houvesse tudo isso, seria possível apoiar a reconstrução da estrada, mas olhando para o cenário da atual política ambiental brasileira, estou certo de que nada disso será respeitado”, ponderou Santos. 

Novos modelos de empreendimentos que cumpram as metas de conservação e considerados adaptáveis e recomendados à região amazônica são apontados pelo pesquisador, como as estradas suspensas. “Trata-se de uma região que encharca todos os anos e a água leva o asfalto, quebra as pontes e gera uma infinidade de outros problemas associados, inclusive gasto desnecessário com manutenção. O investimento realizado na construção de uma estrada suspensa, possibilitaria proteger a biodiversidade, as pessoas; limitaria o acesso e consequentemente diminuiria o desmatamento”, garantiu e finalizou: “estudos consistentes servem para enxergarmos aonde não queremos chegar e como podemos desenvolver melhor o território”.

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Edição 14 – Novembro 2020 – Destaques

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