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Muitas obras contratadas, mas a trafegabilidade continua precária: o que dizem os contratos para obras na BR-319 disponíveis em portais de transparência

Publicado em: 05/12/2022

Canteiro de obras da empresa LCM, uma das que atuam na BR-319 por meio de contratos com o Dnit

 As obras são o que garantem o bom funcionamento de rodovias como a BR-319. São elas que mantêm as condições de trafegabilidade e a segurança dos usuários. Mas, também, são artifícios para o mau uso do dinheiro público e precisam ser fiscalizadas pela sociedade civil e órgãos de controle. Entre 2000 e 2022, foram firmados mais de 114 contratos para obras na BR-319 com 54 empresas, sendo que oito delas concentraram 51 contratos ou 45% do total. A Superintendência Regional do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) no Amazonas é responsável pela maioria deles, seguida pelo Dnit sede, em Brasília. As informações são da Transparência Internacional – Brasil (TI-BR) que, gentilmente, fez o levantamento dos contratos de obras vigentes na rodovia a pedido do Observatório BR-319. 
 
“A extensão da rodovia e a necessidade de sua constante manutenção exige a aplicação de uma quantidade grande de contratos e de recursos públicos”, explica o gerente de programas da TI-BR, Renato Morgado. “Mas, isso, também, reforça a importância tanto da sociedade, quanto dos órgãos de controle, como ministério público e tribunais de contas monitorarem esses contratos e a execução deles”, acrescenta. O Dnit é o órgão responsável pela rodovia, incluindo a contratação de empresas para as obras de manutenção e repavimentação.   

Outro aspecto do levantamento dos contratos feito pela TI-BR aponta a quantidade de obras por segmento. A organização verificou que o Trecho do Meio (km 250 ao km 655,70) consta em 43 contratos; o Segmento B (km 655,7 ao km 877,4), em 42; o Segmento A (km 0,0 ao km 177,8) aparece em 23 contratos; e o Trecho C (km 177,8 ao km 250) é objeto de 15 contratos. Ao todo, 12 contratos não apresentaram informações sobre trechos da rodovia. “É importante frisar que a soma desses contratos (120) excede o número total (114) identificado no histórico de contratos, porque diversas empresas ficam responsáveis por executar obras em mais de um trecho”, destaca Morgado. 

Entre os principais serviços e obras realizados na rodovia, o que se destaca é o de manutenção, com objetivo de conservação e recuperação, que aparece em 46 contratos, seguido pela elaboração de projetos executivos e projetos básicos, aparecendo em 21 e 12 contratos, respectivamente. Outros itens como obras e serviços emergenciais, elaboração de estudos ambientais, EIA/RIMA, serviços de supervisão de obra, obras de restauração, melhoramentos e pavimentação, construção de pontes, serviços de sinalização rodoviária e assessoria técnica também foram objeto desses contratos. 

Contratos em vigor 

Entre 2019 e 2022 foram celebrados 23 contratos com elevados valores anuais em investimento em obras, o que deixa claro o direcionamento político em prol da conclusão da reconstrução da BR-319 em função da promessa de campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL). Nesses anos, o ritmo das obras de diferentes trechos da rodovia foi acelerado, sobretudo, no Trecho do Meio. 

Renato Morgado lembra que, ao longo dos anos, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou diversas falhas – algumas muito graves – em contratos de obras na BR-319. “Nestes contratos, duas falhas que chamaram muita atenção foram: problemas nos projetos básicos, o que está no projeto acaba não sendo executado, erros na dimensão de tempo e recursos necessários, o que acaba implicando em aditivos, ou seja, mais dinheiro ainda”, explica Morgado. “Além de ausência de licenciamento ambiental e sobrepreço, que é quando os preços cotados estão acima dos preços de mercado”, disse. “As irregularidades identificadas pelo TCU, em diferentes anos, possuem diversas consequências, como inadequação e baixa qualidade das obras realizadas na rodovia, aumento dos custos, desperdício de recursos públicos e mesmo a ocorrência de impactos socioambientais que poderiam ser evitados”, completou. 

Até junho de 2022, a busca nos portais e sites públicos revelou a existência de 14 contratos em vigor relacionados à BR-319, sendo sete de responsabilidade do Dnit Amazonas, dois Dnit Rondônia e três do Dnit Brasília. A maioria desses contratos são para manutenção (conservação/recuperação) dos diferentes trechos da rodovia e envolve sete empresas somando R$ 764 milhões em um período de 2020 a 2027. 

A empresa LCM Construção e Comércio S/A é responsável por sete contratos que somam R$ 562 milhões de todo o recurso que será investido nos contratos vigentes. Além disso, é possível notar que a maioria das obras nos contratos em vigor acontece no Trecho do Meio da BR-319 e no Segmento A. 

Problemas de transparência nos contratos vigentes 

Dos 14 contratos encontrados como vigentes, não foram localizadas informações sobre a forma de contratação para seis deles, sendo que dois desses contratos, com a empresa LCM Construção, não constam na base do Portal de Transparência com todas as informações, pois a última data de atualização é de 02 de setembro de 2022, e os contratos da LCM passaram a vigorar após essa data. 

O acesso a informações sobre as obras na BR-319 é um dos maiores problemas identificados pela TI-BR. Para Renato, chamam a atenção a dispersão de informações em diferentes plataformas. “Pois causa dificuldade para o cidadão comum de encontrar de forma rápida e fácil informações sobre os contratos, pois os dados estão dispersos em quatro diferentes sites do governo federal”, explicou. “A falta de informação sobre a forma de contratação dos serviços também é outro problema, pois os sites do governo federal não disponibilizam informações sobre o processo de contratação”, acrescentou. “Por fim, mapeamos contratos ‘desaparecidos’ em anos anteriores, sobre os quais não existe mais informações hoje, sendo eles 00475/2021 – Consórcio Forte Norte (01/10/21 a 01/10/24) e o do 0080/2022 – AGO Engenharia de Obras Ltda (23/05/22 a 21/05/24). As informações foram retiradas das mesmas bases que pesquisamos, o que não permite, obviamente, qualquer monitoramento e acompanhamento da execução destes contratos”, concluiu. 

“Acessar as informações sobre os contratos da BR319 não é tarefa fácil. Em muitos casos, é necessário conhecimento especializado e tempo dedicado para localizá-los. Essa situação está longe do ideal. É importante que as informações estejam centralizadas e em uma linguagem acessível para que qualquer cidadão possa acessá-las e compreender o seu conteúdo”, disse Renato Morgado. 

Por meio de nota, o Dnit informou que segue a Política Nacional de Dados Abertos e disponibiliza em seu site informações sobre licitações e contratos por meio deste endereço. Também disse que, dados sobre os contratos das rodovias sob administração da autarquia estão disponíveis no Portal do Cidadão, onde há opção para fazer filtragem para obras de manutenção, construção e intervenção. Para recortes, basta escolher a Unidade Federativa (UF), a rodovia e o contrato. 

Tribunal de Contas e Ministério Público de Contas do Amazonas têm sido cruciais no controle de políticas e órgãos ambientais 

A atuação do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) e do Ministério Público de Contas do Amazonas (MPC-AM) tem sido crucial no controle das políticas e dos órgãos ambientais do estado, inclusive em relação à governança das Unidades de Conservação (UC) do entorno da BR-319 e aos impactos socioambientais associados à repavimentação da rodovia. 

Em 2020, o TCE aprovou um Alerta de Responsabilidade Fiscal direcionado ao governador do estado, Wilson Lima (UB), devido ao baixo investimento na gestão ambiental frente ao aumento das taxas de desmatamento. O relator do processo e atual presidente do TCE-AM, conselheiro Érico Xavier Desterro e Silva, afirmou em seu voto ser “cristalino que o Amazonas não possui estrutura suficiente para realizar a fiscalização ambiental adequada, seja financeira, seja de recursos humanos”. 

No ano seguinte, o TCE concluiu uma auditoria operacional que avaliou a gestão das 42 UC estaduais no período de 2013 a 2019. Apesar de constatar uma melhoria geral na gestão das UCs, que passaram de nota 1,13 para 1,83 (em uma escala de 0 a 3), a auditoria apontou diversos problemas, como a redução das ações de fiscalização a partir de 2016 e a insuficiência de recursos humanos e financeiros. 

Ainda em 2021, o TCE-AM aprovou um acordão com recomendações para o fortalecimento da gestão das UCs estaduais na área de influência da BR-319, incluindo: o aumento do investimento de recursos estaduais; a elaboração de cronogramas de implementação e a atualização periódica dos planos de gestão; a definição de um prazo para a realização de concurso público para a contratação de servidores para as UCs; e a realização de diagnóstico participativo sobre as deficiências de políticas públicas para as comunidades locais das UCs. 

O MPC-AM tem tido papel central nas ações ambientais do TCE. Além de ser o responsável por iniciar parte das ações já citadas, o órgão vem questionando o estado e prefeituras quanto à insuficiência das ações de combate ao desmatamento e às queimadas na área de influência da BR-319, bem como a expansão de ramais na região sem o devido controle e fiscalização dos órgãos ambientais. 

O procurador de contas, Ruy Marcelo, coordenador de meio ambiente do MPC e responsável pelo conjunto de ações citadas assegura que os órgãos acompanham de perto a BR-319. “O MP de Contas e o TCE-AM estão acompanhando criteriosamente as ações dos órgãos e entidades estaduais no desenvolvimento do projeto BR-319. Estão envolvidas florestas públicas do patrimônio do Estado e a governança de territórios estaduais, inclusive unidades de conservação de proteção integral”, declarou. 

Esta matéria contou com a colaboração da assessoria de comunicação da TI-BR. 

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